Foto (1): Trio Elétrico Armadinho, Dodô e Osmar. Carnaval de Salvador/1977.
Foto (2): Bloco Nana Banana. Carnaval de Salvador/2010.
O carnaval é sem dúvida alguma, a expressão cultural mais forte do povo brasileiro. E é diante desta convicção que proponho a análise de duas fotografias referentes ao Carnaval de Salvador/BA, porém tratando-se de temporalidades distintas.
Ambas são riquíssimas de elementos históricos e podem ser muito bem exploradas em sala de aula, convidando aos analisadores a uma reflexão acerca das transformações sociais, políticas, econômicas e culturais sofridas pelo Carnaval de Salvador/BA ao longo do tempo.
A fotografia (1) refere-se ao carnaval no final da década de 70, e historicamente falando vale ressaltar que, embora não floresça na cena nada que nos remeta ao regime militar, neste período o Brasil vivia-o de forma intensa. O carro de som a tocar é o lendário trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar (este dois últimos são os criadores do trio elétrico) que como podemos observar, num anúncio na parte superior do trio, contava naquele dia com a participação especial de Moraes Moreira, artista considerado um ícone da história do carnaval de Salvador. A fotografia (2) refere-se à atualidade, mais necessariamente ao ano de 2010, o trio é batizado de Tiranossauro Rex (“O predador da tristeza”), o mais moderno do carnaval baiano, a banda acima é o Chiclete com Banana, avaliada por muitos foliões e críticos no geral como uma “lenda viva” do carnaval de Salvador.
Ao observar bem a foto da década de 70, podemos perceber que as pessoas brincam livremente pelas ruas, que há uma grande miscelânea popular seja no campo econômico, racial e cultural, resumindo, o trio toca para o “povão” de uma forma geral, ou seja, não era necessário à luz daquela época comprar uma fantasia para seguir o trio elétrico. Nota-se também uma diversidade de acessórios que compõem os estilos dos foliões como chapéus, faixas, lenços, óculos, guarda-sol, dentre outros elementos que indicam a tendência do visual (moda) para o carnaval daquele período. Já na foto atual (2) podemos facilmente identificar a separação e a padronização dos foliões através da corda e dos abadás que limitam e identificam o espaço reservado para o bloco carnavalesco. Ao contrário da primeira cena, não podemos afirmar que as pessoas que compõem o bloco fazem parte de uma miscelânea social, já que é sabido que para se fazer parte dessas instituições (blocos) é preciso desembolsar uma boa quantia em dinheiro. Aos demais foliões, o antigo “povão”, agora apelidado de “pipoca”, resta o aperto do pouco que sobra das ruas, ainda não ocupados por blocos, arquibancadas e camarotes. Outro aspecto relevante ai é a população que compõem o bloco, majoritariamente formada por brancos, o que acaba por contradizer com os traços étnicos raciais de Salvador que chega a ter cerca 80% de sua população composta pelo elemento negro. Isto é uma prova de que cada vez mais os blocos de carnavais da Bahia tornam-se acessíveis apenas para os turistas (nacionais ou internacionais) e para a camada elitista local. Na mentalidade atual do governo do Estado a questão do turismo no carnaval é um fator importante no que se refere à arrecadação, ou seja, a única maneira de garantir a receita proveniente do turismo é dando-lhes todo o conforto necessário para a folia, no caso os blocos e os camarotes, que a cada ano que passa, comprimem a população local transformando os espaços públicos em privados. O carnaval da foto (1) não tinha tantas pretensões econômicas e turísticas, o que valia mais era a questão cultural e o fator entretenimento.
Outra curiosidade a ser explorada na foto (1), é que se bem olharmos, não perceberemos a participação de mulheres, não que elas não participassem do carnaval em si, mas ir atrás do trio elétrico definitivamente não era coisa para elas, atribuo isso ao fator segurança. Já na foto (2) sem muito esforço percebemos a grande participação do elemento feminino no interior das cordas do bloco.
Nos dias atuais a transmissão ao vivo do carnaval de Salvador para o mundo inteiro pelos mais diversos meios de comunicações e a explosão demográfica ocasionada pelo turismo, acabam por resultar em uma superexposição do evento, o que consequentemente impacta fortemente na questão publicitária. Uma prova disso é que podemos perceber na foto (2) a marca do patrocinador do bloco gravado no trio, o que a primeira vista nos dá a sensação de que é pouco, mas na realidade o que se tem ai é uma forte exposição de uma marca que pagou milhões por uma exclusividade. Aliado a publicidade do bloco, várias placas publicitárias são colocadas nas ruas, como podemos ver uma ao fundo do trio desta mesma foto, o que torna o carnaval atual numa poderosíssima indústria comercial e publicitária de potencial monetário astronômico. Já na foto (1) percebe-se um único patrocinador (BANEB - Banco do Estado da Bahia) que com muito esforço podemos enxergar nas camisas dos músicos acima do trio elétrico, o que nos remete para uma fraca intencionalidade propagandística. Na realidade não podemos negar que isto seria o início, ainda que tímido, deste processo de comercialização do carnaval. O fato de se tratar de uma instituição estadual nos levar a crer que esta é mais uma ação empresarial de incentivo cultural do que publicitária.
Sendo assim, afirmar que o carnaval de Salvador evoluiu ou regrediu ao longo do tempo é uma conclusão muito peculiar de quem o analisa, de certo é que ele se potencializou economicamente falando, seja pelo fator turístico, comercial ou propagandístico, mas aliado a essa potencialização veio também a exclusão social, onde o dinheiro garante as melhores condições para brincar o que nos obriga a adaptar o refrão da música “Atrás do Trio elétrico só não vai quem já morreu” de Caetano Veloso para: “Atrás do trio elétrico só vai quem tem dinheiro”.
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Gostei do título!
ResponderExcluirVlwww
Rafael
Junior rapaz, que análise viu meu amigo!
ResponderExcluirParabéns pela critica, pela leitura e pela percepção da realidade, o carnaval virou negócio!
Como um bom baiano, ainda sim pra mim não existe no Brasil carnaval melhor rsrsrs. Mas não podemos mais atribuir ao carnaval da Bahia o status de festa popular.
ResponderExcluirJunior, vou descordar de vc! Mesmo sendo um negócio eu acho que o carnaval ainda é uma festa popular sabe! claro que não mais do mesmo jeito... mas tem muitos aspectos que ainda são relevantes que fogem do negócio pelo negócio!
ResponderExcluirNa realidade, é um processo lento,mas com certeza o público alvo da festa não é mais o povão em si. Em Fortaleza por exemplo já existe a cidade do fortal, ou seja, pra se curtir a micareta vc precisa desembolsar para entrar na cidade. Aqui ainda não chegou a tanto, mas os camarotes,arquibancadas, as cordas dos blocos cada vez maiores vão diminuindo o espaço do povão.
ResponderExcluirPra mim o carnaval de SSA é uma festa que está mudando de foco, está deixando de ser uma festa para a descontração e virando um negócio, vende-se de tudo, desde água nas barracas a drogas e mulheres nas esquinas, quem não tem dinheiro não curti o carnaval de SSA, passa por apertos e confusões na "pipoca", a venda de abadas se tornou uma fonte de dinheiro que é "viva" o ano todo, o carnaval de SSA não é para os baianos e sim para os turistas, pois foge da realidade de muitos soteropolitanos, as cordas deixam isso mais do que evidente.
ResponderExcluirGosto muito da originalidade de "Chiclete Com Banana" pra mim é a melhor banda do carnaval, não usa o corpo como forma de exibição nem musicas "baixas" para atrair seu público, são músicas que fazem cada individuo pensar o valor da vida e o valor de amar alguem, as letras das musicas de Chiclete mostram valores que estão sendo esquecidos/invertidos em nossa sociedade. Mais uma vez Junior, parabéns pelas postagens e continue usando a internet como um meio de comunicação do "bem", que dissemina conhecimento e cultura. Abraços de, acima de tudo, seu grande amigo Rafael Fernandes.
AMIGO HISTORIADOR VOCE ESTA DE PARABENS NAO SO POR ESSES ARTIGOS MAS POR TODO CONTEUDO DESSE BLOG, DEU ATE VONTADE DE VOLTAR A ESTUDAR OUTRA VEZ E FAZER A POS QUE TANTO QUERIA ( HISTORIA DA AFRICA ) UM GRANDE ABRAÇO E PARABENS MAIS UMA VEZ!
ResponderExcluirValeu pelas palavras e seja bem vindo(a) ao blog História por Imagem!!!!
ResponderExcluirAh... nunca é tarde pra studar e sempre é tempo.
Corra atrás da pós desejada.
Forte abraço e saudações históricas,
Hermes Júnior