BUONARROTTI, Michelangelo. Pietà. 1499. Roma. Basílica de São Pedro. Escultura em mármore. |
Se existe um período da História da humanidade que me
fascina enquanto historiador, sem dúvidas é o momento transitório da Idade
Média para a Moderna. O termo transição explicita com competência as profundas
mudanças nas estruturas econômicas, políticas, sociais e culturais desse
período na Europa. E é justamente buscando uma espécie de regozijo pessoal, que
trago para esta postagem uma das mais belas expressões do movimento
renascentista Europeu, a Pietà.
Feita em mármore, a nobre escultura do florentino
Michelangelo Buonarrotti expressa com magnitude o olhar do ser humano inerente
a uma época, a renascença. Feitas as primeiras considerações, vamos analisar
esta espetacular obra prima da arte sacra, feita por um “homem” de maneira “divina”.
Para início de conversa podemos dizer que Pietà (palavra
italiana que significa Piedade) é uma representação, ou melhor, a
materialização do imaginário bíblico que nos remete a cena em que Maria, a mãe
de Jesus Cristo, está com seu filho no
colo, desfalecido, morto, depois da dolorosa crucifixão. Mas você pode está se
perguntando, qual a relação entre o Renascimento e essa obra, uma vez que o
teocentrismo é um aspecto predominante da Idade Média e a cena retratada é composta
de personagens bíblicos? Então vamos a resposta, pois de fato as personagens
esculpidas e a cena em si são bíblicas, mas são representados única e
exclusivamente como seres humanos. Não há nada na cena que nos remeta a ideia
de sagrado, de divindade, como por exemplo, uma auréola, um anjo, elementos
típicos das artes medievais, dessa forma, o Antropocentrismo é predominante nas
personagens e cena criada.
Salta aos olhos a valorização dos aspectos humanos e de
tudo o que reveste a humanidade de Jesus e Maria na obra. Repare bem nos
detalhes, o corpo de Jesus é minuciosamente esculpido (músculos, ossos como
costelas, tornozelos e joelhos, a feição desfalecida, no entanto serena que não
nos remete aos momentos doloridos sofridos na Paixão – inspiração no padrão
corporal greco romano). Observe bem a Maria, os detalhes da sua veste foram
minuciosamente esculpidos dando um realismo fenomenal a obra, outro aspecto é a
feição da mãe de Jesus, que transmite um misto de tristeza e serenidade e não
de desespero como muitos fiéis imaginam que tenha ocorrido naquele momento. A
expressão desesperada não caberia aqui, a final de contas, Maria é uma das
Colunas da Fé Católica, Maria é sinônimo de mulher de coração forte e temente,
porém confiante a Deus e isto fora demonstrado no momento em que o anjo revela
a ela a concepção de Jesus e agora depois do Cristo morto.
Além de todo caráter Antropocêntrico podemos destacar o
valor do individualismo (outra característica renascentista) na obra, a ideia
de que a mesma não pretende ser fiel ao relato bíblico, mas expressa a visão do
autor sobre o episódio e mais do que isso, podemos afirmar que Michelangelo
busca um reconhecimento pessoal ao deixar impregnado na obra sua técnica
apuradíssima de trabalho, seu estilo de esculpir e faz questão de eternizar a
autoria da Pietà, assinando-a.
Tudo que explicitamos aqui, seria o suficiente para
classificarmos Michelangelo como gênio, como aquele que estava muito além do
seu tempo, mas não bastasse o que já observamos, há um último aspecto que eu
gostaria de destacar, que é a desproporcionalidade do corpo de Jesus em relação
ao de Maria, sua mãe. Perceba que embora a cena seja constituída de dois
personagens, nós tendemos constantemente a observar os detalhes de cada um
deles de maneira separada, ora se contempla o Cristo, ora se contempla Maria, a
sua mãe, e isso nos faz em muitos momentos cometer o erro de não se observar o
todo. Sendo assim, deixemos a insensibilidade do olhar de lado e passemos a perceber
que o corpo de Cristo está em tamanho menor revelando-os a ideia de que
Michelangelo procurou destacar a Maria e sua grandiosidade, isso fica evidente também por meio do título dado a escultura, a Pietà.
Depois desta análise, gostaria de convidar a você para
um olhar mais detalhado e por diversos ângulos da Pietà:
“Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão
claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no
efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável
aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a vêem.” ( Michelangelo Buonarrotti)